quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Gli utenti

   Os centros daqui, como dito no post anterior, não são repletos de atividades, por exemplo, no que eu estou, tem um grupo de leitura de jornal toda manhã, um de dança e outro de pintura, sendo ambos uma vez na semana. No resto do período, a circulação pelos usuários se faz em função de passar em consulta com o psiquiatra, pegar a medicação e fazer a refeição. Para fazer a refeição, não basta ser usuário, deve ter a indicação e estar no projeto terapêutico, até onde eu sei. Acho isso ótimo, pois se o acesso é livre, seriam poucos que se colocariam a ir a um restaurante, a um bar ou a fazer ir ao mercado para fazer a própria refeição. No CAPS-III que estagiei em São Paulo, todos usuários podiam almoçar e tomar o lanche da tarde lá, isso fazia com que muitos se centralizassem lá pelo centro a espera dos horários intitucionais do café, do remédio, do almoço, novamente do remédio e, por fim, do lanche da tarde. Nisso, o dia já havia passado e a vida se passava naquele espaço.

Venturini, Trieste 1984, CSM di Domio - la mensa presso l'EZIT, Ente Zona Industriale di Trieste

 Os usuários 
    Como em todo lugar de saúde mental, tem aqueles que estão todos os dias no centro, fumando seu cigarro, abordando pessoas da equipe para saber da medicação x e recepcionando quem chega e quem sai. Nessas duas semanas, pude perceber duas diferenças bem interessantes e marcantes em relação à autonomia* e ao posicionamento que os usuários assumem frente a um profissional da equipe. 
  *Ao falar de autonomia, tenho em mente a concepção de proposta por Roberto Tykanori (atual cooredenador de Saúde Mental do Min. da Saúde) de que uma dependência restrita, limita as possibilidades de ações e diminui a autonomia, dessa maneira, a autonomia se faz conforme se amplia as dependencias, pois assim obtem-se mais possibilidades de estabelecer escolhas e ordens para a vida.
    Dessa forma, muitos usuários circulam pela cidade, dividem casa com um outro usuário (muito comum aqui), possuem bolsa-trabalho em alguma cooperativa (muito forte aqui na Itália), pagam suas contas, vão ao mercado etc, possuem um cotidiano que não se limita ao centro de saúde.
   Sobre o posicionamento, é muito comum ver usuário se confrontando profissional e deixando claro suas vontades, direitos e opiniões, mas aqui vejo que o jeito italiano contribui, pois esse confronto vem tanto do lado dos usuários como dos profissionais. É comum ver um falando alto com o outro, falando o que pensa, numa conversa clara e, às vezes, sincera e rígida demais por parte dos profissionais, ao meu ver. Falo isso porque ainda não vi um espaço para se pensar meio termo, em outras propostas, negociar.
    Quando comparo com o Brasil, vejo que os profissionais brasileiros (em geral) possuem mais sutileza e sensibilidade na abordagem com o usuário. Pode ser que isso seja uma diferença cultural, que confronta com o modo italiano de ser, e essa é uma dificuldade que tenho e que talvez permaneça até minha partida, a de saber o que são posturas da cultura italiana e o que é ou deveria ser a postura que o serviço  de saúde mental daqui.


Butturini, Trieste 1973-1977, Bar del manicomio, l'attuale bar "Posto delle Fragole"

4 comentários:

  1. Lembrei-me da Nicácio comentando sobre o "jeitão" italiano nas reuniões de equipe...As pessoas falam mesmo o que pensam, discutem, lavam roupa suja, mas depois que a reunião termina, tudo fica bem...Boas relações continuam...Será? Enfim...No Brasil a cultura parece ser mesmo um pouco diferente. Muitas pessoas ainda se calam por medo de desagradar e das possíveis críticas que podem receber...

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    1. Realmente é bem assim como a Nicácio falava. Acredito que eles (pop italiana em geral, pois já vi civil brigando com usuário) tem uma firmeza em se colocar que em muitos momentos é positiva, pois coloca um limite que muitas vezes no Brasil não são colocados por diversos fatores. Um é o medo, resultado de um imaginário social de periculosidade, e um outro que sempre vejo é o sentimento de dó, de achar que aquela pessoa não é capaz de suportar um não ou um basta que muitas vezes faz-se necessário. Ao mesmo tempo que tanta rigidez e firmeza faz com que não sejam muito flexíveis em situações de grande delicadeza, ao meu ver.

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  2. Li gostei deste seu post, achei muito interessante vc sempre falar a partir da sua experiência e do que tem te tocado ao olhar essa nova realidade. A barreira cultural é sempre um desafio muito grande, mas acho que se abrir para as novas experiências e tentar se suspender (ou seja, deixar de lado o máximo que conseguir, concepções e teorias), na minha opinião, poderia ser muito enriquecedor para compreender melhor os estranhamentos do inevitável choque cultural. Se abrir para a experiência exige estar aberta para o estranhamento com o diferente, para poder mergulhar em uma nova possibilidade de encontro!!
    Bjokas

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    1. Com certeza romper essa barreira é o fator base para a compreensão de muito que se passa nos serviços. Estudar a história dessa cidade, sua composição multicultural e os aspectos físicos e climáticos, são outros fatores que influenciam essa cultura como vimos juntas aqui. Ao mesmo tempo que fazer a comparação e olhar os constrastes que se compõe entre Brasil e Itália pode ser muito enriquecedor quando somados, e não anulados.

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