Aqui vai a tradução do texto que meu amigo Pino escreveu carinhosamente a meu pedido.
Conheci Pino no Centro de Saúde Mental que estagiei. No início não sabia se ele era usuário, trabalhador ou voluntário, mas como ele começou a frequentar o grupo que eu e uma colega coordenávamos, pude saber mais dessa grande pessoa.
Conheci Pino no Centro de Saúde Mental que estagiei. No início não sabia se ele era usuário, trabalhador ou voluntário, mas como ele começou a frequentar o grupo que eu e uma colega coordenávamos, pude saber mais dessa grande pessoa.
Eu não sou um animal irracional.
Eu sou meus pensamentos e minhas palavras, sou o ambiente que me circunda, sou esta sociedade. Esta sociedade controvérsia, indiferente e superficial.
Eu sou a minha doença mental, aquele que fui e aquele que serei.
Eu sou meus pensamentos e minhas palavras, sou o ambiente que me circunda, sou esta sociedade. Esta sociedade controvérsia, indiferente e superficial.
Eu sou a minha doença mental, aquele que fui e aquele que serei.
Eu me curarei.
Gostaria que soubessem que eu era uma pessoa com muitos problemas, muitas e muitas vezes toquei o fundo, muitas e muitas vezes me agarrei com todas minhas forças a um fio aparentemente imperceptível chamado esperança, mesmo quando parecia que a mesma não existia mais. Errei muitas e muitas vezes. Errarei ainda mais, mas não tenho mais medo.
Eu me curarei.
Para se sair da crise precisamos de instrumentos e ferramentas
indispensáveis para mudar, para começar uma vida possível, sobretudo na sutil e
difícil passagem entre estar/viver mal, ao estar/viver bem. Momentos cansativos
que vão afrontar, sustentar e fortalecer a confiança e a esperança.
Se trata de preencher um vazio, construir um objetivo, uma identidade possível, onde “eu sou eu e não minha doença mental”. Um jogo contínuo, onde os instrumentos servem para mudar e as mudanças se tornam novos instrumentos. Uma pessoa sedada não pode fazer mal, mas também não pode fazer bem.
Se trata de preencher um vazio, construir um objetivo, uma identidade possível, onde “eu sou eu e não minha doença mental”. Um jogo contínuo, onde os instrumentos servem para mudar e as mudanças se tornam novos instrumentos. Uma pessoa sedada não pode fazer mal, mas também não pode fazer bem.
Jeito Basagia
“O tratamento de qualquer doença, do corpo e da mente cansa, um cansaço
que com ajuda adequada se pode suportar, e ainda assim, não é o cansaço que mais
incomoda. O que incomoda é o momento que vem depois. Quando uma pessoa começa
estar suficientemente boa para se arriscar na vida, no cotidiano, na dita
normalidade. Tendo vivido por tanto tempo na outra parte da barricada, não se
sabe ainda como se faz para estar dentro deste novo jogo onde tudo é possível
e, justamente por isso, extremamente perigoso.”
Gostaria tanto de começar a traçar um novo percurso no qual pudesse
vislumbrar a luz da cura.
A cura não é necessariamente libertar-se dos fármacos, libertar-se de um
serviço de atendimento, libertar-se de um psiquiatra ou psicólogo.
A cura é a liberdade em escolher a nossa estrada, de encontrar um
trabalho, uma companhia, amigos. A cura é poder assistir a um belo concerto ou a
um espetáculo teatral. A cura é vencer o estigma que ainda existe na vida de
quem vive essa experiência. A cura é, sobretudo, substituir a palavra “TOLERÂNCIA”
pela “ACEITAÇÃO”. A cura é criar um modo em que não exista contenção, abusos
farmacológicos, manipulação psíquica.
A cura é uma aliança entre quem usufrui dos serviços de saúde mental e
aqueles que fornecem esses serviços.
A cura é acabar com as instituições manicomiais, com a violência
psíquica e física, com a indiferença
Enlouquecer é possível, curar é possível.
Pode ser um sonho, uma utopia ou simplesmente uma direção.
Um ponto de partida?
Quem conta é uma amiga, Alice Banfi, autora do livro autobiográfico “Tanto
scappo lo stesso”:
"Era 2004, o recordo bem. Raramente era internada no SPDC (Serviço
Psiquiátrico de Diagnóstico e Tratamento) da minha cidade.
Era internada em uma comunidade reabilitativa próxima a Torino. Rodava
todos os serviços de Piemonte e proximidades. Fui mandada pra lá e pra cá. Haviam
muitos rostos conhecidos, alguns novos.
Um rapaz chinês, Matteo Su, estatura baixa, falava de modo desconexo e
veloz.
Era assustado e agitado, lembrava uma criança, suscitava em nós, outros
pacientes, uma grande ternura.
Vinha sempre ao meu quarto me ver desenhar e pedir emprestado canetinhas.
Uma vez, voltou com um desenho nas mãos, cheio de cores. Tinha desenhado
flores e sobre o desenho tinha escrito “para Alice”. Era mimado e protegido por todos...todos nós.
Há tempos não sabia dos direitos das pessoas que vivem o sofrimento
psíquico, não sabia nem mesmo que existiam. Hoje sei que uns dos direitos dos
usuários dos serviços de saúde mental é aquele de ser chamado pelo próprio nome
e sobrenome.
Qualquer enfermeiro chamava Matteo “CinCin” ou “Cinciunlá” e coisas do
gênero...
Isso porque Matteo era chinês, porque não podia e não sabia como se
defender.
Um dia de tarde estávamos em quatro a conversar, próximos a uma enfermeira:
juntamente a nós estava também Matteo.
Sara, uma enfermeira, o chama pela milésima vez pelo estúpido sobrenome:
“Ei, Cinciunlá dá uma acalmada!” Matteo reage: Eu me chamo Matteo!!! E batia os
pés no chão, enquanto repetia com força seu nome.
Sara si virou, o olhou, indicou com a mão e braço esticado, e disse: Fly
down.
Rapidamente Matteo parou de falar, parou de bater os pés. Ela continuou:
abaixa a crista, voe baixo.
Matteo ajoelhou-se.
“Muito bem, sempre abaixo”.
Matteo ajoelhou-se.
“Muito bem, sempre abaixo”.
Matteo se jogou no chão, com os braços esticados a frente do corpo.
“Isso, agora se arraste!”
E Matteo começou a se arrastar, com o rosto arrastando no chão. Se arrastava
como um verme em direção ao corredor.
A enfermeira se virou e entrou na enfermaria, fechando-se lá.”.
Que coisa se pode dizer?
Que coisa se pode penar?
Que coisa se pode dizer?
Acredito que é um desafio no trabalho unir-se: Nós, usuários, com vocês,
trabalhadores. Todos juntos devemos buscar mudanças, potenciar o serviço de
psicoterapia e eliminar qualquer forma de contenção, física e psíquica.
Era isso que Basaglia tinha em mente?
Esse texto que me foi pedido é uma grande oportunidade para nos conhecer
e unirmos nossas vozes, para tentarmos continuar a construir, melhorar e a criticar.
É uma possibilidade. É uma das tantas possibilidades que a vida nos coloca a
disposição.
Nós devemos lutar dia por dia, hora por hora, minuto por minuto para
viver, para existir.
Não devemos permitir ou delegar e ninguém, seja trabalhadores da saúde
mental, familiares ou associações de voluntariado, de escolher ou decidir por
nós, mas de colaborarmos um com os outros, sem medo de falar.
Se já esteve mal e agora está melhor, seja grato pela oportunidade que
lhe foi dada.
Se está sofrendo, saiba que encontrará pessoas humanas, sensíveis, altruístas,
amigas, que terão certamente um segundo plano. Se não as encontra ou não as
veem, mude o caminho. O mundo é vasto, imenso, rico de oportunidades.
Se é um usuário dos serviços de saúde mental, saiba que passaremos por
dificuldades.
Nós somos aqueles que estão em teste na sociedade.
Podemos aceitar ou não, podemos nos esconder ou reagir, demonstrar o
nosso valor.
Demonstrar que estamos bem, que estamos melhores, ou explicar
francamente quais são as raízes de nossos sofrimentos.
Ajude os outros, sobretudo, se ajude.
Pino, Trieste.